terça-feira, 8 de julho de 2014

Aquele que se foi

Se você perdeu, e estáferido,
Algum ente seu querido,
Não retires da gaveta,
Aquelas desgastadas fotos senis.

Pense, tentes analisar,
O que você, hoje crescido,
Aquela mãe ou pai querido,
Construiu estes anos todos,
Em cotidiano repetido.

Pergunte  você mesmo,
Com grande profundidade:
"O que tenho de parecido,
Com aquele que se foi ?"

De mãos dadas caminhamos,
E naquele momento não percebia,
Estava tão alegre e feliz !
Para que anotaria,
Com tinta e papel,
O que no coração, em meio às fibras,
Estava sendo gravado em amor ?

Se isto eu fizesse,
A caneta ou a lápis,
Em agenda ou bloco  pautado,
Os folguedos perderia,
Ao lado do ente amado.

Chores só hoje, amanhã ria,
Esta perdida companhia,
Naqueles momentos de euforia.

Dos passos juntos, em sincronia,
Que no chão ritmados,
Ecoavam na rua,
Lembre-se com alegria.

Não percebes, na sua agonia,
Em sua saudade e lágrimas,
Que ele está aí contigo ?

Em corpo aquele, aquela,
Correspondia a um único indivíduo,
Mas agora, dentro de ti,
Em experiências mil se desdobra.

Se tanto antes reclamavas,
Quando este contigo ralhava,
Aos brados, em alta voz,
Como não o ouves agora ?

Até em seu corpo único,
Tens a metade do código,
Daquele que se foi.
Seus ouvidos ainda o ouvem,
Teus olhos ainda o veem.

Não precisas, oh você que ficou,
Abrir os teus baús,
Revolver suas canastras,
Pois impresso no seu íntimo,
Bem vivo, bem pungente,
Teu pai, tio ou avô,
Mãe, tia ou avó,
Guardados no lugar que importa:
A sua memória mortal.

Então faça o mesmo e grava,
Na memória de seus filhos, agora,
Para que tenham o que lembrar,
Quando você for embora.

Bernardo Meyer (Jul/2014)

Reticências e palavras efêmeras

Preenchas com Sabedoria,
As frases que não ouso acabar,
Assim como um músico,
As pausas faz tocar.

Mesmo o silêncio de um olhar
Tem sujeito e predicado.
Certas palavras perdem a beleza,
Se eu, mesmo sincero, tiver que falar.

Não queiras com seu ouvido,
Certas verdades constatar,
Para que queres que eu confesse,
O que já muito claro está no ar ?

Até os pássaros ao voar,
Fazem que vão avançar,
Mas no momento certo,
Antes que fossemao longe estar,
Dão meia volta, seguem o líder,
Para ensinar aos homens que,
Em determinado ponto do vôo,
Devem dali voltar.

Onde as palavras poderiam entrar,
Em ardente rebuliço,
Uma pausa, um descanso,
Dará, eugaranto, muito o que pensar.

Ao invés de dizer:
"Olhe para mim,
Quero te dizer uma coisa".
Posso dizer simplesmente:
"Olhe fundo nos meus olhos",
E isto lhedirá tudo.

Assim são as reticências,
As pausas, os descansos,
As esperas, as músicas.
É nelas que a Sabedoria coloca,
Nos espaços, nos silêncios,
As verdades que não se dizem.

Bernardo Meyer (Jul/2014)

quarta-feira, 2 de julho de 2014

O Homem Bom

O homem, que ironia,
Em sua mente ingênua,
Crê piamente que é bom,
Em sua mente vazia.

Dizem, e que contradição,
Que mesmo imerso em pecados,
Este ser sem coração,
Inventou o Deus que criou o ingrato.

Que lógica é esta,
Você que me ouve, irmão.
O mal criou o bem,
Este Ser onipotente e poderoso.

Que eu saiba, o mal,
Destruidor e venal,
Só concebe em sua mente,
Alguém que lhe seja igual.

Homem, examine detidamente,
O que vai em seu peito,
Você é realmente,
Santo assim deste jeito ?

No jornal e na televisão,
Vejo-te eu praticares o bem ?
Você, bondoso (há, há) então,
De verdade ajuda alguém ?

Pergunta ao seu espelho,
De noite, após um dia,
Soueste santo dourado,
Que tanto eu queria ?

Não me venha com bazófias,
Pois eu bem te conheço,
Preocupas mesmo é com ti mesmo,
E com teu umbigo,
E com teu estômago,
E com teu sucesso,
Homo sapiens hipócrita,
Homem bom de araque.

Bernardo (Jun/2014)


terça-feira, 1 de julho de 2014

À sociedade

O que queres de mim,
Oh, grande organismo vivo,
O que pedes insistente,
Me tirando a paz.

Já consumo o que geras,
Com seu apetite voraz,
Faço odes em voz alta,
De suas virtudes duvidosas,
De seus caprichos ambíguos.

Andas sempre em convulsão,
É grande seu desejo monetário,
Enlouqueces seus filhos,
Limpas a sujeira visível,
Escondes seus propósitos obscuros.

O medíocre exaltas e aplaude,
Ele joga teu jogo,
Ele faz a tua vontade,
Assim no Planalto, como na praia,
Acho que eu mesmo,
Por preguiça e lassidão,
Vou na fila como gado,
Imitando a multidão.

Tu jogas algumas moedas,
Que os tolos catam com fome,
Agradecidos como pombos,
Comendo migalhas na praça.

Quero, da minha casa tranquilo,
Entrar e sair contente,
Com uma, duas ou três,
Sacolas cheias na mão,
Trazendo o meu suado sustento.

O que queres mais de mim ?
Coloco em teu cofre os impostos,
Ando em suas ruas e becos,
Sou honrado cidadão,
Não jogo papel no chão.

Eleges os teus queridos,
Os políticos robôs,
Todos falam a mesma coisa,
Saúde, educação e justiça,
Acham que são melhores,
Mas muitas cópias tiveram.

Consomem o luxo da indústria,
Soltam rojão e balão,
Em breve comerão a terra,
Esquecidos, sujos e podres.

Vivem bem nesta vida,
Comem do creme e do pão,
Sentam na espuma macia,
Nem pernas usam para andar,
Há muito se afastaram do chão,
Nas nuvens estão a voar.

E eu, inseto pequeno,
Vou em seis pernas andando,
Invisível e sorrateiro,
Pelo menos, deste jeito,
Este monstro invejosos,
Não me ameaça cobrar.

Mas que ilusão essa que disse,
Até o seis pernas do lado,
Imitando o grande monstro,
Quer ter o que eu tenho,
De olho gordo cobiça,
Minhas sacolas de compras.

O que queres mais de mim?
Dizes que faço pouco !
Já aguento muito chato,
Perniciosos, invejosos e loucos.

Convivo com bipolares,
Ouço os tagarelas,
Suporto neuróticos,
Obedeço humanos.

Ainda tem gente enganada,
Que acha que o homem é bom,
Que não precisa de Deus,
Com a boca escancarada.

Vou fazer, e concluo,
Tal qual a maioria,
Vou seguir a minha vida,
Tu, de quem falo, te viras.

Sociedade doente,
Monstro demente,
Leviatã inclemente,
Sempre, sempre presente.

Bernardo Meyer (Jun/2014)

sexta-feira, 27 de junho de 2014

A nova moradora

Parte I

Cornélia, minha querida,
Hoje trago novidade,
Uma nova habitante,
Para este nosso lar.

Perdeu pai, perdeu mãe,
Sem dinheiro ela está,
Pobrezinha, abandonada,
Não tem mais onde morar.

Sabendo-lhe caridosa,
Tendo um grande coração,
Um teto para esta estrangeira,
Sei que não vais recusar.

E para nossa vida a dois,
Esta hóspede não tumultuar,
Coloca-la-emo nos fundos,
Onde ninguém vai olhar.

Afinal a vizinhança maldosa,
Sempre em busca de novidade,
Deve à nossa bondade,
Por completo ignorar.

E a moça tímida e feliz,
Nos fundos daquela casa amarela,
Se instalou com a benção,
Da virtuosa Cornélia.

Parte II

Algumas tardes e noites,
Passou Cornélia bondosa,
A dar falta do marido,
Mas sabendo-o trabalhador,
Esforçado e preocupado,
De forma alguma se incomodou.

Também estranho achou,
Lá do barraco do fundo,
No silêncio que domina a noite,
Ou na modorra da tarde,
Gemidos abafados e leves ouviu,
Mas Cornélia, a bondosa,
De forma alguma se incomodou.

Um dia, acordando às três,
Sonolenta e sedenta da noite,
Ouviu ruídos lá fora,
O que seria, seria o que ?

Pela pequena janela,
Um emperrado basculante,
Do barraco da hóspede ela viu,
Ondas humanas imersas em suor,
Um Urso peludo gemendo,
Sobre uma Vênus ardendo,
Seu amado marido fazendo,
A novata de mulher.

Parte III

Astuta Cornélia não armou,
Um barraco de gritos.
Com telhado de lamúrias,
E paredes de mágoas.
Seria coisa de boba,
De maneira nenhuma, não,
Além de inteligência,
Cornélia a virtuosa ?
Ela tinha educação.

Começou foi uma amizade,
Com aquela habitante,
E descobriu-lhe a vocação.

Quem diria, ela sabia,
Fazer blusa, fazer calça,
Lingerie e pregar botão.

Comprou do seu próprio bolso,
Pano, linha, agulha e carretel,
E daquele dia em diante,
Costuraram e costuraram,
E vendiam a produção.

A hóspede gostou muito de ganhar,
Uma quantia em dinheiro,
Independente viu que podia,
Agora se transformar.

E após o pleno dia,
Daquela labuta incessante,
Mais energia não tinha,
Para satisfazer ao seu senhor.

Raivoso quis o Urso,
A novata dispensar,
Longe daquela casa,
Que fosse se arranjar.

Parte IV

Valente, então, Cornélia,
Muito dinheiro no bolso,
Solenemente ao Urso,
Naquela mesma tarde de Abril,
Deu seu veredito:

"Quem vai embora é você,
Monstro sem coração,
Esta moça agora é,
Minha sócia no trabalho.
Junta seus trapos, marido,
E arranja um outro lar,
Aqui, agora, é uma empresa,
Vai para outro lugar,
Homem torpe e sensual,
Traidor e pusilânime" .

E Cornélia e a sócia,
Foram felizes para sempre.

Bernardo Meyer (Jun/2014)

quinta-feira, 26 de junho de 2014

Amor e fortuna

Sou homem afortunado
Neste planeta azul,
Respiro um ar perfumado,
Me apoio num bom convívio,
Isento de solidão.

A riqueza que usufruo,
Eu reparto, não possuo,
Não se guarda num baú,
Não se deposita na conta,
Não se ostenta como troféu,
Passa bem desapercebida,
Neste mundo do material.

Liberdade sem companhia,
É realmente servidão,
Pois a alma sozinha,
Vive é numa prisão.

O que se tem e o que se dá,
Realmente sem lucro,
É fruto do amor,
E o egoísta e o louco,
O materialista e o sensual,
So pode oferecer todo dia,
Frutos e espinhos do mal.

Quando com Alguém se vive,
Rica se chama a pessoa,
Mesmo com alguns vinténs,
(Mas é preciso sabedoria)
Pois ri, conversa e divide.

Dá e enriquece,
Ainda fica mais disposta,
Compartilha e aumenta,
Pois nada da terra é nosso,
Em zero todos nós nascemos,
Mas com pelo menos um morremos.

Tudo o que pouco existe,
É feito do incontável,
Nossos olhos não veem.

O que parece parado, pobre,
Insignificante, incolor,
É cheio de substâncias,
Não sabemos contar,
Nem medir, nem constatar,
Nem dividir e nem cheirar.

Amor é dois de vista,
E só um para quem sente,
Mas é como legião em torno,
É como a via láctea:
De longe uma só mancha,
De perto um estonteante quadro.

Quem ama é jardineiro,
É astrônomo, é banqueiro,
É matemático, é perfumista,
É pintor, marceneiro,
É pedreiro, é professor.

Quem ama tem tudo.

Bernardo (Jun/2014)


quarta-feira, 25 de junho de 2014

O ambicioneiro

Estou um pouco confuso,
Magoado e pensativo,
Quedado e desanimado,
Oblíquo e desestimulado.

Por que os raios de sol,
São como o chuveiro em sua cabeça,
Seus baús são tesouros,
Os meus só guardam poeira,
Teias de aranha e areia.

Sou igual em humanidade,
Ao homem que tu és,
Nem mais bonito do que eu,
Nem mais virtuoso és.

Sou até, tenho certeza,
Mais educado e gentil,
Sou "pois não" e "pode contar comigo",
Do que ti meu colega,
Que ostenta tanta coisa,
Que queria ter eu,
Por que não !

Te olham com dois olhos,
Nem mais bonito do que eu,
Nem mais virtuoso és,
E para mim só tem um,
Ou até cegos são.

A faca com que tu cortas,
É cravejada de diamantes,
Parece de ouro feita,
Serve a dois, três, quatro,
E com a minha nem tiro,
Uma fatia para mim.

Tuas pernas te enviam,
Para onde só posso te ver,
Se usar uma luneta,
Do meio do caminho,
E ainda de joelhos,
Pois na corrida não posso,
Sequer te acompanhar.

Ouçam, meus amigos,
O que ele faz, eu faço melhor,
Eu sei fazer o trabalho,
Coloco em pasta colorida,
Encaderno em couro e ouro,
O título em letras grandes,
Valorizo a aparência,
Pois toda esta ciência,
Com que ele recheia as folhas,
Ninguém vai entender,
É melhor mostrar bonito,
Para os olhos poderem ver.

Até meu Sabiá de raça,
Menos que o Canário dele canta,
Comendo da melhor ração,
Ingerindo todas as vitaminas.

Dizem que ele tem pré-requisitos,
Para mim não importa,
Nascemos iguais,
Tive pai e mãe como tu,
Também sentei na faculdade,
Tive notas prá passar,
Deu também prá me divertir.

Odeio-te por isto tudo,
Devia ter eu ao invés de ti,
Sua fama, tua glória,
Teu jeito de vestir,
Sua velocidade, seus olhos,
Seus cabelos e tua casa.

Eu sou um injustiçado,
Deus não gosta de mim,
Venho depois do último,
Debaixo do chão estou.

Pro trabalho somente vou,
Aquecer minha cadeira,
Descansar por oito horas,
Pelo menos sadio fico,
Pago as minhas contas,
Até que me reconheçam,
E no trono que mereço,
Um dia eu estarei,
Com a coroa cravejada,
Sobre todos reinarei.

Bernardo (Jun/2014)

terça-feira, 24 de junho de 2014

Ao meu Pai

Há muito que se foi,
Lutou, viu, participou,
Lutou, construiu, trabalhou,
Sorriu, chorou, comprou,
Não juntou muito, e gerou
(o mais importante)

Entregou-se à labuta,
Como única opção.
Que mais podia fazer,
Tendo uma e mais três,
Para guardar e dar de comer.

Não tinha herança,
Em berço nobre não nasceu.
Veio de outro país,
Queriam seus compatriotas,
Em meio a uma guerra,
Sua vida ceifar,sua alma supimir,
Seu povo exterminar.

E aqui, na bela terra,
Gente estranha encontrou,
Mas dentre elas uma desposou,
Não sei ao certo se e o quanto,
Esta estrangeira prá ele,
Realmente amou.

Não importa, somos todos mais um.

E dele da escolhida, de dois veio mais três,
Pois como a árvoredo campo,
O que tem o Homo Sapiens de melhor,
É esta capacidade de frutificar,
Uma armadilha da natureza,
Um dia me disseram,
Para preservar a espécie humana.
(Esta tendência inegável em que,
Juntou dois, se dão a mãos,
Logo estão aos beijos,
Juntos logo vão morar)

E súbito surge a prole,
Miúda ou numerosa,
Como elefantes, ou como coelhos.

Naquele tempo do fiado,
Do armarinho e do tintureiro,
A casa precisava ser grande,
Para tanto coelho viver.

Mas ao Pai, então, voltemos.

Olha, o homem de terno,
(Naquele tempo era assim,
Respeito era vestir-se bem)
De dia ia, de noite voltava,
Dava uma bronca, soltava um sorriso,
Dava um beijo, dava um tapa,
Em equilíbrio paternal,
Não como pensamos,
Mas como deve ser.

Quando deu por si,
Não olhava para baixo,
E sim alçava os olhos,
Quando tinha que nos corrigir.

Lembro-me até de uma idade,
Em que nos burramente queríamos,
Ensinar ao patriarca,
Como as coisas deviam ser.

É que a jovialidade em sua loucura,
Orgulhosa e altiva, voluntariosa e tola,
Queria ser a dona da casa,
Não compreendia a vida dura.

Há, há, (risos),
Lembro-me de te dizer,
Meu grande pai querido,
Que tu não sabias de nada,
Eu é que tinha razão,
Oh, meu pai cansado e abatido.

Agora, um pouco crescido,
Com filho e esposa esperando,
É que vejo claramente,
O que foi o ocorrido.

Pois acontece comigo,
Em ciclo interminável,
Em saga repetida nas eras,
O pequeno tornado grande,
O irresponsável tornado um senhor,
O menino tornado pai.

Bernardo Meyer (Jun/14)


segunda-feira, 23 de junho de 2014

O homem hormônio

Microgotas desta coisa, pior que cocaína,
Caem na corrente sanguínea.
O que acontece, então ?

Destrambelhado e louco,
O homem se afogou totalmente,
Neste hormônio autoritário.

Escorregadios estão, agora, seus pés,
Parece estar patinando em manteiga,
Já não pode evitar as covas,
No fundo de que lhe aguardam,
Escorpiões, cobras e a aranha venenosa.

E ele embriagado, pela rua tateia,
Em tonteira hormonal cambaleia.

Numa esquina escura,
Nesta noite em particular,
Os hormônios o alertam:
"Ali vai a fêmea distraída,
Indefesa, absorta e solitária".

E ele, lunático macho,
Dela logo se aproxima,
Chega e lhe expõe os dentes,
O desejo nos olhos,
Mãos trêmulas,
Pronto e disposto.

Seus lábios abrem e fecham,
Derramando palavras melífluas,
Convocando a vítima para o matadouro.

A pobre, solitária e indefesa,
Que só tem sua vida comum,
De dia a dia, noite a noite,
Na alcova recolhida,
Após a labuta escaldante,
De cinco dias torturantes,
Cede ao homem sorridente.

Talvez finalmente,
Em sua vida de vai e vem,
Ela achou o companheiro prometido,
O maestro da sua vida,
O condutor do Corcel branco,
Que a levaria até seu último dia,
Junto na mesma cela.

E para um quarto juntos vão,
Em ato, em volúpia,
Em ressonantes inspirações,
Em volumosas expirações,
Em altissonantes sons,
Sob vigilância da Lua,
Que não sorri de preocupada,
Com sua filha num leito,
Com aquela fera cabeluda.

E de manhã, o hormônio deixa o quarto,
Porta afora, de pouco se esvaiu.
O homem já se veste,
Perguntando para si:
"O que faço eu aqui ? "

A fêmea enamorada,
De troca física que pensa,
Ser amor de Afrodite,
Confessa verbalmente e feliz,
Seu amor ao embusteiro.

Mas ele, já de saída,
Satisfeito, desejo realizado,
Diz a ela soturno:
"Vou pagar o quarto,
Pode ir sossegada,
Talvez a gente se encontre,
Numa outra madrugada" .

Bernardo Meyer (Jun/2014)



domingo, 22 de junho de 2014

Alguns exemplos

Um rosto nas mãos,
Passos durante o dia,
Cabelos que balançam,
Gargalhadas de uma piada.

Um braço sobre o seu peito,
Antes do primeiro bocejo,
Os sopros ritmados,
De seu respirar compassado.

Dois pés que acompanham,
Seu andar pela cidade,
Um pedaço de pizza,
Temperado de companhia.

A noite iluminada,
Pela sua só presença,
O sol forte dodia,
Mostra sua sombra no chão.

Isto é só uma fatia,
Do bolo de uma vida,
Ao lado de quem se ama.

Bernardo Meyer (Jun/2014)


Palavras da Noite

Eu procuro vocábulos na noite,
Expressões profundas,
Num dicionário sem folhas,
Nesta enciclopédia escrita,
Nos anos que vem batendo o meu coração,
No silêncio dos sonos.

Existem Universidades abertas,
Nos terrenos do espírito,
Cercadas de enormes jardins,
Onde andam os poetas,
Sem que se movam suas pernas.

Amantes também passeiam,
Por este mundo paralelo,
Maior que este chamado de real.

Seus corações andam cheios,
De mil e uma percepções.
Seus olhos veem no escuro,
Miríades de sóis incontáveis,
Na imensurável matéria escura.

Certos óleos sobre telas,
São difíceis de explicar.
O mesmo eu digo de amar,
Com todos os seus detalhes.

Escrevo isto e volto a dormir,
Já estou bem mais calmo.
Que posso fazer se borbulha,
O espírito de poeta,
No templo de meu corpo ?

Bernardo Meyer (Jun/2014)


A física do Amor

O que é que faz,
De um tosco um poeta ?
O que é que transforma,
A água em vinho ?

Como é que se ilumina,
Uma caverna escura ?
O que é que levanta,
Um rochedo da areia ?

A água, tão simples,
Faz um transatlântico boiar,
Um pouco pedaço de corda,
Pode uma vida salvar.

Já o amor pode tudo,
Tudo releva,
Tudo constrói,
Até o morto ressuscita.

Levanta o fraco,
Ilumina um planeta,
Dobra o braço do teimoso,
Faz sorrir o casmurro,
Cura os doentes.

O que mais dizer,
Desta força poderosa,
Desta energia invisível ?

Bernardo Meyer (Jun/2014)

A jóia

Oh jóia brilhante,
Procuro aflito seus engastes,
E, estranho, não os acho,
Nem em prata, nem em ouro, ou em zircônio.

Toda pedra, toda gema,
Lapidada com esmero,
Facetada com muito zelo,
Se acha em moldura engastada.

O que há então ?
O que ocorre ?
Por que não te vejo,
Engaste obliterado ?

E aí, meditando melhor,
Não procurando com olhos,
Mas com o senso do ser,
Eu finalmente entendo.

O engaste procurado,
Resignado e oculto,
Feito do que não é material,
É minha própria alma,
E a jóia, a linda gema,
É a minha companheira,
Amiga e cúmplice.

Bernardo Meyer (Jun/2014)

terça-feira, 17 de junho de 2014

As letras - Fagundes Varela

Na tênue casca de verde arbusto
Gravei teu nome
Depois parti

Foram-se os anos,
Foram-se os meses,
Foram-se os dias,

Acho-me aqui!

Mas, ai! O arbusto se fez tão alto
Teu nome erguendo
Que mais não vi!

E nessas letras que aos céus subiam
Meus lindos sonhos de amor
Perdi!

sábado, 14 de junho de 2014

Amor, Riqueza e Convívio

Sou homem afortunado
Respiro um ar perfumado
Me apoio num bom convívio
Isento de solidão

A Riqueza que usufruo
Eu reparto, não possuo

Liberdade sem companhia
É realmente servidão
Pois a alma sozinha
Vive é numa prisão

O que setem e o que se dá
Realmente sem lucro
É fruto do amor
E o egoísta e o louco
Só pode oferecer a dor

Quando se vive com alguém
A pessoa se torna rica
Talvez até sem um vintém
Pois ri, conversa e divide

Dá e enriquece
Anda e fica mais disposta (a légua de acompanhado)
Compartilha e aumenta
Pois nada da vida é nosso
Já nascemos em zero
Morremos com pelo menos um

Tudo o que pouco existe
É feito invisivelmente de muito
Nossos olhos não vêem mas sabem
O que parece parado
Tem tudo em movimento constante
Mas o homem se fia nos seus olhos

Assim é o amor de Dois
Parece pouco, parado, pobre
Insignificante, sem valor
Mas é cheio do que ainda
Não sabemos contar, nem medir,
Nem ver, nem cheirar, nem dividir

Amor é dois de vista
E só um para quem o vive
É como uma multidão em torno,
É como a Via Láctea,
De longe uma só mancha,
De perto um mar de pontos

Quem ama é jardineiro,
É astrônomo, é banqueiro,
É matemático, é médico,
É bombeiro, é pedreiro,
É desenhista e pintor,
É marceneiro, é cozinheiro,
É aluno e professor

Quem ama tem tudo.


Bernardo Meyer (12/06/2014)